segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Prémio Jovens Músicos: algumas notas a propósito dos 30 anos

A realização do prémio jovens músicos ao longo dos últimos trinta anos tem-se revelado como um instrumento interessante não só para a carreira de jovens músicos como também para evidenciar o trabalho realizado no ensino especializado de música em Portugal. No ano em que se comemoram os trinta anos três breves notas.

 
1. A 6.º edição do Festival Jovens Músicos

Entre 23 e 25 de Setembro decorreu a 6.º edição do Festival Jovens Músicos. “Esta edição do festival inclui duas novidades, que assinalam e celebram o 30º aniversário do PJM: (a) um concerto com a Orquestra Sinfónica Portuguesa, dirigida por um jovem maestro vencedor do concurso de direção de orquestra, realizado pela primeira vez em 30 anos no âmbito do PJM; (b) a estreia da Orquestra Jovens Músicos, formada exclusivamente por músicos laureados pelo PJM desde a sua primeira edição, em 1987. Neste concerto histórico, o palco Gulbenkian será preenchido por 70 músicos de três gerações diferentes, interpretando obras de Dvorak, Britten, Mário Laginha e uma obra sinfónica em estreia mundial, encomendada à jovem compositora Ângela da Ponte.||O Festival inclui ainda dois concertos com a Orquestra Gulbenkian, dirigida pelo maestro Osvaldo Ferreira, e que conta com a participação dos jovens músicos vencedores desta edição.” (cf. http://www.rtp.pt/antena2/premio-jovens-musicos/programas-concurso/6-festival-jovens-musicos-2016-23-a-25-setembro_3452).
Luís Tinoco, que dirige o prémio há nove anos, nas declarações que fez ao Expresso a 17 de Setembro de 2016, afirma que “desde o início que o PJM funcionou como canalizador da prática e do estudo da música, pois as próprias escolas planeiam o trabalho cm os alunos em função da participação no certame” e que ao longo destes 30 anos o PJM evolui quer em termos dos instrumentos representados quer em termos da tipologia musical, por exemplo a inclusão do Jazz e, neste ano, incluiu a direção de orquestra e apresenta a Orquestra Jovens Músicos. Destaca Luís Tinoco que que “na última década fizemos já uma centena de encomendas de peças a solo a jovens compositores que são tocadas no âmbito do concurso” (E – Revista do Expresso, Edição 2290, 17 de Setembro, p. 83).

Das palavras de Luís Tinoco são de realçar, de um modo muito sintético, três aspectos importantes: (a) a continuidade; (b) a incorporação de diferentes tipos de instrumentos e estéticas ao longo dos anos; (b) a relevância da criação de obras originais por criadores portugueses; (b) a relação com as instituições de formação e as transformações no ensino de música em Portugal.
 

2. Alguns relatos da imprensa sobre o prémio entre 1987 e 2002
O “Prémio Jovens Músicos”, organizado pela RDP e com o apoio financeiro de vários tipos de instituições (cf. http://premiojovensmusicos.blogspot.com/), foi organizado pela primeira vez em 1987. A primeira edição do Prémio Jovens Músicos promovido pela Radiodifusão Portuguesa foi atribuído nas modalidades de flauta, violino, viola e piano, em que participaram alunos das escolas de música do continente, Açores e Madeira (Diário de Notícias, Ano 123, n.º 43 240, 9 de Agosto de 1987, p. 16). Neste concurso “existem vários prémios, e o Prémio Maestro Silva Pereira destinado a brindar com uma bolsa (na quantia de 500 mil escudos) o melhor concorrente solista a nível superior. Essa bolsa destina-se ao aperfeiçoamento no estrangeiro (em especial nos curso de Verão). Trata-se de cursos pagos em academias de alta qualidade como a Fundação Hindemith ou a Academia Musical de Bona […] O PJM permite também aos laureados com os “primeiro prémios em cada modalidade a possibilidade de gravações profissionais de dois concertos, aperfeiçoamento no estrangeiro e outras actividades desenvolvidas pelos membros da EMCY (European Music Competitions for Youth) e em concursos internacionais promovidos pela EMCY”. Apesar de se tratar, apenas, de um concurso nacional, o PJM permite uma série de ligações à União Europeia que contribuem para o desenvolvimento técnico e artístico que facilitam o ingresso na via profissional” (Diário de Notícias, Ano 131, n.º 46 211, 30 de Setembro de 1995, p. 27).
A crítica de Nuno Barreiros à 3ª edição deste prémio é elucidativa da perspectiva de determinados meios sociais e culturais em relação a este tipo de acontecimento, não só pelas consequências que pode ter no desenvolvimento futuro da vida musical, nas suas várias componentes, como também a assunção da selectividade competitiva e democrática de “apuramento de valores”.
[…] O futuro da música em Portugal passa também, e necessariamente, pela existência de instrumentistas quer garantam a continuidade de uma prática – aquela que se traduz na actividade de solistas, na constituição de orquestras, bandas filarmónicas e agrupamentos de diversa índole, mais ou menos numerosos, sinfónicos ou de câmara, na formação de professores qualificados. || E a revelação de todos estes músicos pressupõe a selecção competitiva, os estímulos que os concursos representam. Ainda que envolvam, porventura, alguns riscos ou até inconvenientes, próprios a qualquer empreendimento humano, não há dúvida que tais concursos são, hoje em dia, um dos meios correntes e efectivos – e democráticos – de apuramento de valores. A prová-lo, aí se nos deparam !!!, por esse mundo fora, inúmeras realizações do género. ||No nosso país uma das mais recentes iniciativas parece ter pegado de estaca. Reconheçamo-lo sem favor: criou raízes, desenvolveu-se, vai-se alargando e os frutos despontam já de maneira muito apreciável e positiva. (Nuno Barreiros, Diário de Lisboa, Ano 69, n.º 23 041, 16 de Agosto de 1989, pp. 14-15).
Também outro crítico musical do Diário de Lisboa se refere ao Prémio como um elemento estratégico, a par da reestruturação do ensino de música, no desenvolvimento de um “futuro musicalmente mais criativo”.
Esta iniciativa, posta em prática desde o ano passado e inserida, portanto, numa acção continuada e articulada com outras do mesmo género a nível internacional, representa o reencontro da RDP consigo própria, numa das áreas em que a sua imagem tinha ficado bastante desgastada, devido à alienação das orquestras. […] Se a Reforma do Sistema Educativo integrar finalmente a música nos “curricula” gerais e assegurar paralelamente a cobertura do País com Escolas de Música Especializadas, indispensáveis ao desenvolvimento do ensino vocacional, então não pode haver dúvidas quanto ao surto de novas orquestras, designadamente a nível regional. Cada vez há mais autarquias interessadas na promoção diversificada da cultura musical (tanto tradicional como “erudita”). Com a regionalização, os meios financeiros e organizativos locais para a cultura terão uma ordem de grandeza que permitirá suportar e aproveitar mais economicamente organismos dessa natureza. O Prémio Jovens Músicos da RDP aponta, enfim, para um futuro musicalmente mais criativo” (Mário Vieira de Carvalho, Diário de Lisboa, Ano 68, n.º 22 675, 27 de Maio de 1988, Cartaz DL, p.12).
Outro tipo de recepções que este prémio foi tendo na imprensa escrita revela dois tipos de características. Por um lado, uma das características reside no facto de que os premiados podem tocar com “verdadeiras orquestras sinfónicas”: “esta é a uma ocasião que constitui um outro prémio para os “aprendizes musicais”: o facto de serem acompanhados por uma verdadeira orquestra profissional e sinfónica […] É o concurso português mais qualificado. E dizem ser o mais apetecido pelos jovens estudantes das artes e técnicas musicais nacionais” (Diário de Notícias, Ano 132, n.º 46 578, 1 de Outubro de 1996, p. 40). Por outro, como salienta João Pedro Araújo da Silva, vencedor do prémio modalidade piano em 1990, o prémio “constitui um grande incentivo”, permitindo-lhe “também um contacto com um mundo da música diferente daquele a que […] estava habituado nas Caldas da Saúde […]” (Diário de Notícias, Ano 126, n.º 44 399, 14 de Outubro de 1990, p.27). Um outro vencedor da 16ª edição deste prémio refere que “este concurso é muito importante, desde logo por ser o único para jovens em Portugal. Depois, claro, há o instrumento que ganhamos e a bolsa de estudo atribuído pela Gulbenkian, ao que se junta o facto de irmos tocar com a Orquestra do Porto. Tudo isto são coisas boas que ajudam um músico a acreditar no seu futuro” (Diário de Notícias, Ano 138, n.º 48 768, 1 de Outubro de 2002, p.33).
No entanto, apesar de se “acreditar no futuro”, questiona-se a integração profissional destes jovens, tendo em conta a situação da vida musical portuguesa.
Nas atribuladas circunstâncias da economia musical portuguesa (não a de importação; não por falta de projectos), é salutar a esperança que desperta ouvirmos alguns dos laureados pelo júri internacional da sexta edição do concurso para os Prémios Jovens Músicos [..] A assistência contou com inúmeras autoridades oficiais e ouviu as excelentes palavras do presidente do conselho  administrativo da RTP que saudavelmente, esperançoso, não hesitou em salientar a miserável situação do sinfonismo em Portugal. Basta dizer que a orquestra que ouvimos, com 41 instrumentistas, tem mais de 60 por cento de artistas estrangeiros, não contando com o seu maestro titular, Jan Lathan-Koening.||Que faz correr os jovens músicos portugueses perante a situação musical do seu país? - perguntou o presidente da RTP. A resposta foi: a esperança e a persistência que fez com que a jovem violoncelista Daniela Brito (de 18 anos) fosse obtendo sucessivos prémios desde 1988 e fosse seleccionada para a Orquestra Europeia de Jovens Músicos. || […] Deixemo-nos porém de sebastianismos musicais. Não é qualquer D. Sebastião que vem salvar a música em Portugal. Salvá-la-á, sim, uma juventude esclarecida que expulse a incompetência dos responsáveis pela situação. Claro que temos gente capaz em idade madura; o que parece é que não tem audiência, ou que são surdos os que a deviam ouvir” (José Blanc de Portugal, Diário de Notícias, Ano 128, n.º 45 074, 19 de Agosto de 1992, p. 27).
 
As diferentes reacções publicadas na imprensa entre 1987 e 2002, e atendendo aos contextos políticos e culturais em que foram proferidas, remetem não só para a relevância deste prémio no contexto da sociedade portuguesa, em termos de formação ministrada e em termos das possibilidades que se abrem no potenciar as carreiras dos jovens músicos, como também levantam questões e interrogações acerca da vida musical e das políticas públicas subjacentes.
 
3. Do ensino especializado de música, da vida musical e das políticas: continuidades e descontinuidades
Estes trinta anos do Prémio Jovens Músicos são reveladores das diferentes transformações existentes no ensino especializado de música, na vida musical e nas políticas públicas para os sectores da educação e da cultura.

 
Em primeiro lugar pelo facto das mudanças operadas neste subsistema de ensino, quer no que diz respeito à abrangência territorial, apesar de diferentes tipos de desequilíbrios, quer pela formação que ao longo dos anos tem vindo a ser ministrada e que se tem revelado, apesar de um conjunto de problemáticas ainda existentes – que abordarei num futuro texto, de um grande dinamismo e de qualidade. Pelo alargamento das estéticas, das técnicas, pelo alargamento dos estudantes, pelo impulso gigante (comparando com os anos 80 e a primeira década de 90, dada à música de conjunto (quer em formações de câmara quer em diferentes projectos de natureza orquestral). Por outro lado as sucessivas gerações de músicos e professores que foram formados pelas escolas portuguesas e que, em muitos casos, continuando as suas formações no estrangeiro, contribuíram decididamente para potenciar o incremento da qualidade formativa que hoje se verifica quer no ensino básico e secundário de música, no ensino profissional, quer no ensino superior politécnico e universitário.

 
Em segundo lugar se a vida musical na sociedade portuguesa, em particular no que se refere a algumas tipologias e estéticas musicais, apresenta ainda um conjunto alargado de problemas, mas não deixa de ser significativo verificar um incremento substantivo das práticas artísticas nos diferentes contextos, quer no continente quer nas ilhas. Apesar de não ser noticiado nos principais órgão de comunicação social, o incremento de diferentes tipos de concertos organizados pelas escolas de música e por diferentes tipos de associações (e aqui o Facbook e outras redes sociais, são instrumentos muito importantes de divulgação) são reveladores de uma formação artístico-musical que felizmente, deixou de ficar encerrada nas quatro paredes das escolas constituindo-se como centros de cultura nos territórios onde estão situadas.

 
Em terceiro lugar, e o mais problemático de tudo: as políticas públicas. Apesar de todo o dinamismo, do trabalho e do esforço das escolas, dos professores, dos estudantes e das famílias as políticas públicas, pelo menos as que emanam do Estado e dos órgãos de administração, parecem ter para do no tempo e têm sido incapazes de dar corpo a três aspectos que me parecem essenciais: (a) a importância da relação entre a educação e a cultura (com todas as implicações que isto contém); (b) a completa desarticulação entre as dimensões das estruturas de produção artística, as estruturas de formação e as diferentes formas de difusão e de divulgação (em que os auditórios e salas de espectáculos municipais podem e devem representar um pólo importante); (c) o estabelecimento de condições jurídicas e políticas para o desenvolvimento de carreiras artísticas que atendam às características da profissionalidade destas carreiras e contribuam para que estas características não sejam um fator que dificulte ainda mais a vida dos criadores, intérpretes e professores.


Sem comentários:

Enviar um comentário